Chain hopping: novo risco da lavagem de dinheiro com cripto
Nas últimas semanas, uma decisão nos Estados Unidos virou assunto entre quem acompanha o mercado de criptoativos. Um tribunal federal de Nova York resolveu manter congelados cerca de 63 milhões de dólares em USDC ligados ao caso da Multichain.
Para quem não sabe, a Multichain era um serviço que permitia a transferência de criptomoedas entre diferentes blockchains, mas acabou parando de funcionar após perder o controle sobre seus valores e ser envolvida em suspeitas de desvio. Essa situação fez com que autoridades dos Estados Unidos, liquidantes em Cingapura e a própria emissora do stablecoin entrassem em ação. O mais interessante é que esse caso reforça uma lição importante: mesmo que os ativos transitem por várias redes, ainda é possível bloqueá-los se a detecção e a resposta forem rápidas.
Pouco tempo depois, o protocolo Balancer sofreu um ataque que desviou milhões de dólares para novos endereços. Para quem não está familiarizado, o Balancer é uma plataforma usada para criar pools de liquidez e fazer trocas de criptomoedas de maneira descentralizada. Geralmente, após acontecimentos assim, há tentativas de espalhar os valores por diferentes redes, o que complica muito o rastreamento. Embora ainda não tenha sido confirmada a técnica de chain hopping neste incidente, o modo como os fundos se moveram soou como um sinal de alerta. Esse padrão tem se repetido após outros eventos similares.
O Básico do Problema
Para entender a gravidade dessa situação, é bom começar do começo. Antes, quem queria esconder a origem de valores em criptomoedas costumava usar um mixer. Essa ferramenta recebia diferentes depósitos e devolvia saques “misturados”, dificultando a identificação de quem enviou e quem recebeu. Imagine que você tem algumas notas de dinheiro com números de série em sequência. Se trocá-las por notas aleatórias, fica mais difícil conectar o dinheiro à sua origem. Os mixers faziam algo parecido no mundo cripto.
Essa estratégia funcionou por um tempo, mas as ferramentas de análise evoluíram e começaram a identificar padrões, mesmo após a mistura. Quando isso aconteceu, o pessoal que tentava ocultar seus valores começou a buscar novas formas de enganar as autoridades.
Surge o Chain Hopping
Aqui é onde entra o chain hopping. Em vez de esconder o dinheiro dentro de uma única blockchain, esse novo método espalha os movimentos através de várias redes diferentes. A lógica é simples: é muito mais complicado seguir um rastreio quebrado em pedaços do que uma linha contínua. Ou seja, a ideia é fragmentar o rastro para dificultar o trabalho dos investigadores.
Para que isso funcione, são utilizadas as bridges. Essas ferramentas permitem transferir um ativo de uma blockchain para outra. Na prática, o valor é bloqueado em uma rede e, simultaneamente, uma versão equivalente aparece na rede de destino. Esse processo é muito útil e legitimo, pois promove a interoperabilidade do ecossistema. Mas pode ser facilmente explorado para esconder rastros, especialmente quando alguém usa várias pontes em sequência.
Vamos ilustrar com um exemplo prático: imagine que alguém tem um valor de 10 mil dólares obtido de forma ilícita. No passado, essa pessoa poderia ter enviado esse dinheiro para um mixer e recebido valores misturados de volta. Hoje, a estratégia mais comum é dividir esse montante em partes menores e transferir para uma rede A, depois para uma rede B e, em seguida, para uma rede C, passando por diferentes bridges. Em poucos minutos, aquele valor original pode estar espalhado em várias carteiras em três redes distintas. Esse exemplo não ensina como fazer, mas ajuda a entender por que o rastro se torna tão difícil de seguir.
A Evolução das Ferramentas de Análise
Quando a atenção estava nos mixers, havia um ponto único que podia ser monitorado. Com o chain hopping usando bridges, essa vigilância se torna muito mais difícil, pois não há um único local claro para acompanhar — a trilha está fragmentada.
Essa mudança não é nova; em 2022, o caso do Tornado Cash, que foi alvo de sanções nos Estados Unidos por facilitar a lavagem de dinheiro, marcou uma transformação significativa. O recado ficou claro: serviços focados em anonimato absoluto agora estão sob o olhar atento das autoridades. Desde então, o uso de mixers diminuiu, e o interesse por rotas entre redes aumentou.
Nos anos seguintes, grupos mais organizados e sofisticados começaram a adotar o uso de bridges para ocultação. O grupo Lazarus, que tem ligação com a Coreia do Norte, utilizou essa estratégia após ataques de grande repercussão. A ideia é simples: se as investigações estão mais preparadas para seguir trilhas em uma única rede, espalhar os fluxos por várias redes aumenta a complexidade da investigação.
O Desafio do Tempo
As ferramentas de análise evoluíram para acompanhar essa nova realidade. Atualmente, algumas empresas especializadas conseguem cruzar dados entre redes para identificar indícios de chain hopping. Exchanges e instituições financeiras estão reforçando os controles e bloqueando depósitos suspeitos, especialmente aqueles que vêm por vias consideradas arriscadas. O caso da Multichain deixou claro que, com agilidade e coordenação, ainda é possível congelar valores.
Embora essas evoluções sejam animadoras, o maior desafio agora é o tempo. Antes, as investigações tinham horas ou até dias para reagir. Hoje, com o chain hopping, as movimentações podem ocorrer em minutos. Se a resposta depender de processos lentos, a oportunidade de agir se perde.
Apesar dos avanços nas ferramentas, a realidade é que a velocidade com que os problemas surgem agora está muito à frente do ritmo de resposta das instituições. O panorama do chain hopping demonstra que a lavagem de dinheiro com cripto já não é apenas um problema localizado em uma única rede ou país. A movimentação entre diferentes blockchains e jurisdições ocorre na mesma velocidade da tecnologia, e ignorar essa transformação cria uma falsa sensação de controle. Para se manter à frente, é vital que autoridades e instituições compreendam essa dinâmica em evolução.





